A Comissão Especial da Cannabis Medicinal da Câmara Municipal do Rio realizou, nesta segunda-feira (26), sua segunda audiência pública para debater o uso terapêutico da cannabis. Desta vez, a discussão reuniu vereadores, especialistas e pesquisadores para discutir a universalização do acesso ao medicamento em crianças neuroatípicas, aquelas que apresentam diferenças em seu desenvolvimento neurológico em relação à maioria das outras crianças.
A presidente da Comissão, vereadora Luciana Boiteux (PSOL), destacou a importância de fornecer o medicamento no SUS, como forma de ampliar seu acesso às famílias destas crianças, sobretudo às mais carentes, tendo em vista que o medicamento ainda é caro e de difícil acesso.
“Aqueles que têm condição, importam com a autorização da Anvisa. Mas os demais, ou seja, a população pobre precisa contar com o apoio das associações para obter a substância. Por isso a importância de debater o fornecimento da substância de forma gratuita pelo SUS”, explica Luciana Boiteux.
A vereadora é autora do Projeto de Lei no 1953/2023, que institui o Programa Municipal de Cannabis Medicinal para o fornecimento gratuito, mediante prescrição de profissional habilitado, de produtos derivados ou à base de Cannabis autorizados pela Anvisa nas unidades de saúde pública municipal e privada conveniadas ao SUS.
Boiteux pretende ainda questionar a Prefeitura sobre se há, por parte da Secretaria Municipal de Saúde, movimento para a capacitação de profissionais, e sobre a chegada de decisões judiciais no município do Rio. “Nós estamos falando aqui sobre o direito a um futuro destas crianças e das novas gerações. Estamos falando de uma luta de disputa de classe, e isso significa que quem vai ter acesso ao medicamento não pode ser apenas a classe privilegiada”, concluiu a parlamentar.
Exemplo de Volta Redonda
O Município de Volta Redonda, no interior do estado, tem avançado nas discussões sobre o acesso à cannabis e seus derivados no serviço público de saúde. O coordenador do Programa de Cannabis Medicinal da Prefeitura de Volta Redonda, o médico sanitarista Carlos Vasconcelos, acredita que é preciso mobilizar a comunidade para compreender e lutar pelo fornecimento desse medicamento.
“Em Volta Redonda conseguimos que a Câmara Municipal aprovasse, com unanimidade, o uso de recursos públicos para fornecer o medicamento no SUS. O município que não se organizar para adquirir o medicamento vai cair na judicialização”, alertou.
Para o advogado André Barros, a proposta em tramitação na Câmara do Rio corrige uma injustiça no Brasil. “Uma parte da população brasileira privilegiada pode comprar maconha e ter acesso ao consumo. É um remédio e todo mundo já sabe disso, todo mundo sabe que faz bem à saúde, aos idosos, às crianças”, complementou.
Dificuldade no acesso
Uma pesquisa divulgada pela ONG Movimentos sobre o perfil dos moradores de comunidades da cidade do Rio de Janeiro que fazem o uso terapêutico da maconha, 73% são pessoas negras e 60% recebem menos de um salário mínimo. Jéssica Souto, diretora executiva da organização, pontuou a dificuldade dos moradores de favelas em acessar o medicamento.
“A pesquisa aponta ainda que 52% responsáveis por crianças neurotípicas. Se a gente parar pra pensar que uma consulta com um médico prescritor custa na média a partir de R$ 400, como que essa família vai ter acesso?”, questiona Jéssica.
As associações têm se apresentado como uma alternativa para facilitar este acesso. Marilene Esperança, presidente da Associação Brasileira de Acesso a Cannabis Medicinal do Rio de Janeiro (Abra Rio), que hoje atende mais de 1.500 associados, teme que, mesmo garantido em lei, haja a dificuldade do acesso à Cannabis pelo Sistema Único de Saúde.
“Tem muitos medicamentos que as crianças precisam, que tem no SUS, e que não chegam até às famílias. Será que o Cannabis vai chegar?”, indaga Marilene.
Benefícios farmacológicos
Especialistas estiveram na audiência pública detalhando dados de pesquisas que comprovam a eficácia e a segurança do uso da substância no tratamento do autismo severo, do Alzheimer, da epilepsia, da dor crônica, entre outras .
O neuropediatra Eduardo Faveret faz uso da cannabis medicinal em seus pacientes há mais de 10 anos e relata que todos os estudos apontam para a segurança da utilização da substância e as melhorias nos efeitos colaterais, sobretudo em crianças com epilepsia ou com Transtorno do Espectro Autista. Faveret afirmou que todos estudos apontam entre 65% a 90% de respostas positivas nos sintomas dos pacientes, e apenas 3% a 11% das crianças que utilizam a substância não tiveram nenhuma resposta ou tiveram algum tipo de reação adversa.
“A gente pode dizer que é uma prática extremamente segura, que não tem efeitos colaterais graves. Quando você vai comparar, o uso dos extratos de cannabis em todas as indicações têm menos efeitos adversos que o uso de anticonvulsivantes ou neurolépticos na infância”, detalha o médico.
Coordenador do Núcleo de Cannabis Medicinal do Hospital Sírio Libanês, em São Paulo, o psiquiatra Vinicius Barbosa revelou que, nos últimos anos, houve uma mudança no efeito terapêutico com o uso do canabidiol e elencou como benefícios a possibilidade de melhora de pelo menos um dos sintomas centrais do paciente, o menor perfil de efeitos colaterais, a ausência de doses tóxicas, a melhora no perfil metabólico, o aumento da ação antipsicótica, dentre outras. “Cerca de 49% das crianças apresentaram melhoras com o uso do canabidiol e esses resultados se aplicam aos adultos também”, enfatizou.
O vereador Paulo Pinheiro (PSOL), relator da Comissão Especial, também esteve presente na audiência pública.